Texto Globo Repórter

Durante séculos, o mundo olhou para as riquezas enterradas debaixo das matas brasileiras. Ouro, esmeraldas, pedras e metais ditaram o rumo da nossa História. No século 21, guardamos sob os nossos pés um tesouro ainda maior: água. O mais precioso bem da Humanidade encontrou nos subterrâneos do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai o seu maior reservatório.

Nas três fronteiras, o planeta água se mostra mais do que generoso, as águas de superfície e as águas subterrâneas formam um patrimônio de valor incalculável. Reservas naturais que os países do Mercosul sabem que têm de cuidar porque delas depende também o futuro da Humanidade.

O Brasil é hoje o país mais rico do mundo em água. Só de rios são quase 56 mil quilômetros quadrados. Temos 12% de toda a água doce do planeta e 53% da América do Sul. Mas é subterrânea a reserva mais valiosa: o Aqüífero Guarani. O reservatório tem proporções gigantescas: 1,2 milhão de quilômetros quadrados. Oito estados brasileiros e outros três países latino-americanos são os guardiões dessa imensa caixa d’água enterrada.

O comerciante Leose Furunchi descobriu o poder desse aqüífero da forma mais primitiva, com um galho de amora. "Os antigos usavam muito isso para procurar água no campo. Então, eu peguei a varinha de amora para localizar o ponto onde eu iria furar o poço. O meu finado pai sempre fazia isso. Se você segurar a varinha com firmeza ela desce para indicar o veio d’água", explica ele.

A água que jorra do poço lavou a alma do comerciante. Também pudera: ele descobriu uma mina de ouro. Ou melhor: de água! Água mineral. "Está valendo ouro", avalia Leose.

A água que ele encontrou em um sítio de Paiçandu, nos arredores de Maringá, norte do Paraná, é diferente: contém vanádio, um mineral com propriedades medicinais. Ele atua contra o colesterol e influencia no funcionamento do pâncreas e do fígado, combate a diabetes e favorece o equilíbrio da saúde.

No mundo todo só existem outros três poços. Um deles fica na França; outro, em Ibirá, no interior de São Paulo; e mais um em São Lourenço, Minas Gerais.

“Além de ser diferenciada, ela traz benefício para o ser humano. É saúde, o rejuvenescimento da vida”, comenta o comerciante.

Mas como se formou essa gigantesca bacia de água subterrânea? No Paraná, pesquisadores viajam quilômetros em busca de uma resposta.

“A idade da água no interior, onde está mais confinada, chega a 30 mil anos. Então, aí está o grande ponto de interrogação: de onde vem essa água? quando ela chegou lá embaixo? de que forma? Existem hipóteses que estão sendo discutidas e que vão ser comprovadas no decorrer da pesquisa”, diz o pesquisador Ernani da Rosa Filho.

Há mais ou menos 180 milhões de anos, ainda no tempo dos dinossauros, a região era um imenso deserto. Em um período entre 200 e 132 milhões de anos, o deserto – com área equivalente aos territórios da Inglaterra, França e Espanha juntos – sofreu uma grande transformação. O mar de areia virou um dos maiores reservatórios de água doce do mundo: o Aqüífero Guarani.

Mas não pense que existe um imenso lago debaixo da terra. O geólogo Eduardo Hindi explica que lá embaixo, encontraríamos pedras. A água ocupa o espaço entre os grãos de areia. O aqüífero é uma rocha porosa com capacidade de absorver a água.

Um dos muitos poços perfurados pela empresa de saneamento do Paraná, na Zona Rural de Londrina, ainda está em fase de teste, mas já mostrou a que veio. Um jorro poderoso avança em direção ao céu. São 880 mil litros de água por hora, expelidos pela pressão natural. Depois, a água que vem de mais de 500 metros de profundidade mantém uma vazão um pouco menor, de 550 mil litros por hora. O que se vê é uma chuva de água morna – com 36 graus Centígrados – e cristalina.

Quanto mais profunda mais quente a água. A cada 30 metros, a temperatura aumenta um grau. O biólogo José Roberto Borgheti explica que a composição e temperatura das águas do aqüífero variam muito.

"A grande riqueza do Aqüífero Guarani é essa diversidade de utilização – tanto para o abastecimento público quanto para o turismo hidrotermal”, ressalta o biólogo.

Água em tamanha quantidade, e de sobra, não serve apenas para garantir aos moradores o uso nos afazeres domésticos, na higiene pessoal e outras utilidades. Na hora do lazer, também se mergulha em água pura. A vocação turística do aqüífero, às vezes, é descoberta por acaso.

O casal de agricultores Carlos e Alaíde Benati trocou um sítio de arroz, de cinco alqueires, por uma chácara bem menor, de apenas um alqueire. No terreno, havia um tesouro que brotava da terra: uma mina d’água. Água do Guarani. A prainha era um velho sonho e dela o casal tira o sustento. Um financiamento para fazer a terraplanagem foi o grande passo.

“A gente foi investindo, fazendo quiosques, colocando pias, construindo churrasqueira”, conta seu Carlos.

É um lugar onde se passa o dia se divertindo e se banhando “Graças a Deus, dá para ir tocando a vida”, diz seu Carlos. “A gente trabalha bastante, mas é divertido”, acrescenta a esposa dele.

O aqüífero se estende pelo interior do Paraná, distribuindo água e saúde o ano todo. Piscinas de água quente, banhos de lama, jatos frios – são as águas que curam. Elas têm sulfato de cálcio, de magnésio, carbonatos de sódio e potássio – minerais poderosos contra reumatismos e dores musculares.

A aposentada Mafalda Dalprá não perde uma estação. “Ás vezes, venho com uma dorzinha e vou embora sem ela. Me sinto até mais jovem depois que comecei a freqüentar. É a fonte da juventude”, comenta ela.