Sem medo do racionamento

 



Imagine uma cidade que não tem medo de racionamento, onde os poços jorram água limpa e fresca, onde as piscinas e as torneiras têm água mineral. Esta cidad ão Preto, no interior de São Paulo, é a maior cidade brasileira abastecida 100% por águas subterrâneas do Aqüífero Guarani.

O Rio Pardo, um dos principais do estado, passa a um quilômetro da cidade, mas nem é tocado. A captação para a rede pública é feita por 97 poços, que, juntos, fornecem 13 milhões de litros de água por hora.

O custo de produção é 50 vezes mais baixo do que se a água fosse retirada do rio. A mistura de cloro é baixíssima, só o que a lei estipula. Mas os responsáveis dizem que nem isso seria necessário.

“Como ela sai da terra, já poderia ser bebida. Da forma como os poços são perfurados atualmente, é perfeitamente possível. A água é de excelente qualidade e pode até ser enquadrada como água mineral”, afirma o engenheiro Adalton Santini, do Departamento de Água e Esgoto de Ribeirão Preto (Dearp).

Uma riqueza natural, que já produziu delícias que fizeram a cidade famosa no país inteiro. Uma sorte geográfica. Ribeirão Preto está em uma das pontas onde o aqüífero chega mais perto da superfície. Em uma planície, ele aflora e a água forma uma lagoa. Uma facilidade que os moradores aproveitam. Em um bairro vizinho, é só cavar para achar água.

“Com 1,5 metro de profundidade já é possível encontrar água”, conta o chacareiro Francisco Bertagna.

A cidade começa a acordar para a importância de se conservar este privilégio. E o sinal de alerta vem da própria terra. Há 50 anos, para se conseguir água em um dos poços mais antigos de Ribeirão Preto, no centro da cidade, era preciso cavar 35 metros. Hoje, a água não aparece antes dos 75 metros – mais que o dobro de profundidade. Para os especialistas, o recado é claro: o nível do aqüífero está baixando.

O diretor do Departamento de Águia e Energia (Daee), Celso Antonio Perticarrari, diz que o problema é o excesso de poços perfurados: mais de 400 na cidade inteira – autorizados ou não. “Ainda não temos uma ferramenta legal para evitar isso. Desde que haja um responsável técnico e um projeto detalhado, temos que outorgar a perfuração”, diz ele.

Outra solução é ajudar a repor o que se tira da natureza. O engenheiro André Hernandes instalou em casa um sistema que devolve mais rápido a água para o subsolo.

“Algumas áreas da casa permitem a infiltração da água da chuva, a cobertura é permeável. A água do telhado é filtrada e vai para uma cisterna. Dessa forma, aliviamos a pressão sobre o aqüífero”, explica o engenheiro.

Um modelo que André quer ver nas escolas municipais. “Ao ver o sistema hidrológico funcionando, a criança vai se tornar uma pessoa mais cidadã e mais consciente da sua responsabilidade dentro da sociedade”, acredita ele.

O geólogo Osmar Sinelli, que estuda o Aqüífero Guarani há 49 anos, diz que, sozinha, a natureza demora quase 30 anos para recompor as camadas do lençol d’água. É preciso evitar a qualquer custo a superexploração do aqüífero.

“Ele significa a sobrevivência da população. Somos realmente abençoados em possuir uma reserva tão rica. Por isso, precisamos saber protege-la”, diz o geólogo.