O ponto fraco do gigante
A natureza fez uma muralha para proteger seu tesouro escondido. O paredão de basalto é o guardião. Cobre mais de 90% da imensa caixa d’água subterrânea. Sobre o Aqüífero Guarani existe uma camada de basalto, uma rocha vulcânica praticamente impermeável – uma proteção natural. Mas o basalto não é tão seguro assim. Existem rachaduras naturais, por onde a água da superfície escorre. É o caminho da recarga do aqüífero e de uma possível contaminação.
“Se tiver uma atividade poluidora em cima, essa poluição vai escorrer para o aqüífero”, diz o geólogo Luiz Marlan, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul.
E no Centro-Oeste, o agronegócio prospera sobre o aqüífero. Onde tem criações e lavouras, tem matéria orgânica que produz o nitrato.
“O nitrato está no metabolismo das bactérias. É fundamental para o desenvolvimento das plantas, mas em altas concentrações pode levar à contaminação”, alerta o biólogo Alcides Faria.
Na suinocultura, o nitrato presente nos dejetos é altamente poluente. Na granja de José Pinesso, o dinheiro para preservar o meio ambiente veio do outro lado do mundo.
“Estou fazendo quatro biodigestores, para onde todos os dejetos da suinocultura serão bombeados. Vão passar por um processo de fermentação, depois a água vai para lagoas revestidas com lona, de onde vai ser utilizada para fazer a fértil irrigação”, explica o suinocultor José Pinesso. “Pagaríamos R$ 750 mil por esses quatro biodegestores funcionando. Mas, por enquanto, eu não tirei nada do bolso, porque o Protocolo de Kioto está pagando.”
Os biodigestores são bolhas. Os gases que exalam da fermentação dos dejetos ficam retidos. Depois de canalizados, são queimados sem poluir o ar.
Uma granja de criação de suínos não tem o mau cheiro característico das pocilgas. A preocupação não é só evitar a emissão de gases poluentes na atmosfera. São Gabriel do Oeste está sobre um afloramento do Aqüífero Guarani. A reserva subterrânea de água está a alguns metros abaixo, por isso, os dejetos da suinocultura são tratados e ficam em lagoas que têm uma cobertura que protege o solo e evita a infiltração. Protege também o Aqüífero Guarani de qualquer contaminação.
“O dejeto de suíno depois de fermentado está livre de substâncias tóxicas, como nitritos e nitratos, que poderiam contaminar o subsolo”, explica o médico veterinário João Antônio de Almeida.
Mais que preservar, José Pinesso vai economizar. Os dejetos serão usados para adubar a terra e reduzir a metade os gastos com fertilizantes. A água tratada vai irrigar a lavoura e a energia para abastecer a fazenda virá da queima do gás aprisionado nas bolhas.
Enquanto uns buscam saídas para não poluir, outros pulverizam agrotóxicos na lavoura. O risco de contaminação do Aqüífero Guarani é maior nas regiões onde a rocha que armazena água aparece. Em todo o Brasil, essa região cobre mais de cem mil quilômetros quadrados. Uma área maior que os estados do Rio de Janeiro, Sergipe e Alagoas juntos.
Afloramento do Aqüífero Guarani é a região onde a rocha está visível na superfície. Quando chove, parte da água da chuva infiltra na pedra e abastece a reserva subterrânea. A água cai e é rapidamente absorvida, fica armazenada dentro da rocha. Funciona como se fosse uma esponja.
Se a gente pudesse cortar a terra, a imagem do aqüífero seria como uma bacia. A rocha que armazena água chega a mais de um quilômetro de profundidade. Por cima, está o basalto. Nas bordas não tem proteção, e a pedra chega até a superfície.
Coincidência ou não, nessas regiões o desenvolvimento econômico é grande – seja nas lavouras de grãos do Centro-Oeste ou nas grandes cidades do Sudeste. E o sonho de consumo de todo agricultor, a terra roxa, nada mais é do que uma parte do aqüífero.
“Em cima desse conjunto todo a rocha é alterada, formando as camadas de terra roxa que cobrem praticamente toda a região da bacia, principalmente as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. A terra roxa é altamente cultivável em razão da fertilidade do solo que essa rocha produz”, conta o geólogo Luiz Marlan.
É só olhar as plantações de soja. O problema é que produtividade e uso de agrotóxicos andam juntos.
“Nesses locais, a preocupação é maior. Tem que saber o que produzir e de que forma. Não podemos chegar e produzir da forma mais indiscriminada de uso de produtos químicos”, comenta o engenheiro agrônomo Felipe Augusto Dias, da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). “Não podemos brecar o desenvolvimento por conta do aqüífero, mas também não podemos estabelecer algo que produza poluição nessa região porque todos nós dependemos da água, e o aqüífero é um grande reservatório.”
O desafio é criar regras para o uso da água. Uma das propostas é cobrar de quem gasta e de quem polui.
“Nosso objetivo agora é a cobrança pela água, principalmente para conscientizar as pessoas de que o manancial é perecível e que a idéia de que a água seria infinita não existe mais. Mesmo em cima de um grande volume de água, as gerações futuras podem ser prejudicadas”, justifica o geólogo Luiz Marlan.
Para as áreas de recarga, onde o reservatório se reabastece, já se fala em restrições.
“Nós precisamos partir de um zoneamento para dizer que tipo de uso pode ter o aqüífero em cada região, e maneira que ele não seja contaminado”, diz o biólogo Alcides Faria. “Se um curso de água superficial é contaminado até pode ser feito um trabalho de recuperação. Mas não há como limpar um aqüífero.” |